Por Leandro Grabe - Guarda Civil Metropolitano de São Paulo
É necessário pensar as características fundamentais do Estado democrático para examinar a influência da democracia política na condução do sistema de segurança pública estadual. Além disso, devem-se compreender a estrutura básica de funcionamento das organizações policiais e as razões que norteiam a ação policial, para que essa abordagem teórica possa evitar, por exemplo, enganos como o de atribuir como traço ou problema específico da polícia paulista algo comum a várias outras instituições.
Somente no estado de direito, o cidadão pode ter pleno acesso aos seus direitos civis, políticos e sociais.
Os direitos civis relacionados à cidadania são, entre outros, referentes à liberdade individual, como a liberdade de pensamento, de imprensa, de ir e vir, de culto religioso e de acesso à justiça. Os direitos políticos, por sua vez, relacionam-se à liberdade de participar do exercício do poder. Por fim, os direitos sociais dizem respeito à prerrogativa de se ter uma vida com o mínimo de bem-estar, com a responsabilidade do Estado de garantir o acesso a tais direitos, de acordo com os padrões de cada sociedade.
O funcionamento do estado democrático depende de um sistema legal que preserve as liberdades e as garantias políticas, proteja os direitos civis de toda a população, tenha redes de responsabilidade e mecanismos defiscalização e punição dos agentes do Estado que cometam ilegalidades no exercício da função. Tais mecanismos fazem parte do sistema de accountability, de responsabilização, para a proteção da ordem democrática .
Um sistema democrático consolidado conta com cinco bases de sustentação: sociedade civil livre e ativa, com grupos auto-organizados; sociedade política relativamente autônoma para exercer controle sobre o poder público e o aparato estatal; estado de direito que assegure liberdades e garantias individuais; burocracia estatal que opere segundo os padrões legais e uma sociedade econômica institucionalizada, com relações mercado-indivíduo reguladas pelo Estado.
Tais bases interagem entre si de forma complementar, uma esfera fortalece e protege a outra. A democracia pode ser considerada um regime estruturado em esferas de mediações entre o Estado e a sociedade para resolver questões sociais, de cidadania e governo, com transparência, legalidade e participação política dos cidadão.
A condição básica para a criação da democracia política moderna foi a constituição do Estado como instituição detentora de soberania jurídico-política e do monopólio do uso da violência física legítima, em oposição ao caráter descentralizado do poder medieval, dividido entre diversos núcleos de poder, como: reinos, senhorios, organizações religiosas e corporações de ofício.
Assim, somente o Estado, soberano em seu território, tem a prerrogativa de utilizar a força de modo legítimo. O caráter de legalidade de suas ações é conferido pelo controle e pelas limitações impostas pela própria legislação estatal. O Estado tem por fim último o bem comum e a manutenção da ordem pública, da paz social, cumprindo a polícia a tarefa de zelar pelo não rompimento da ordem pública e tomar as providências cabíveis para a sua proteção .
A polícia é, portanto, uma instituição especializada no controle social interno para, se preciso, dentro dos limites legais, utilizar-se de violência ao visar à preservação emergencial da ordem. Sua função é resolver, de modo rápido, situações desagradáveis e, muitas vezes, inesperadas. Previne crimes com rondas ostensivas, reprime a execução de delitos e conduz os infratores para o devido julgamento. Protege a vida e a propriedade e é um mecanismo oficial de gerenciamento de relações entre os indivíduos. Além do controle social, ainda presta serviços
à comunidade.
A polícia é parte integrante da burocracia estatal, organização complexa responsável por administrar a esfera pública, estruturada na autoridade racional hierarquizada, na formalidade nas relações entre os cargos, em um sistema de obrigações e privilégios definidos por normas. Cada ramo de sua estrutura tem uma área de competência técnica específica, e seus profissionais devem passar por uma rigorosa sistemática de disciplina e controle do seu desempenho, além de terem qualificação e conhecimentos à altura do cargo.Alguns traços, porém, são inerentes à atividade policial como, por exemplo, o poder de polícia, a presença do perigo em potencial e a imposição de autoridade que constroem a personalidade do trabalho, não como um fenômeno psicológico individual, mas como uma cultura socialmente gerada .
A instituição policial é um complexo órgão burocrático; de cultura e poder peculiar o qual sob certos aspectos, distancia-se do tipo ideal de organização burocrática weberiana.
Organizações policiais como a americana e brasileira têm um controle interno rígido e centralizado; porém ineficaz, pois regulam, com detalhe, questões ligadas à hierarquia, às decisões administrativas da corporação, à vestimenta do policial, principalmente, em instituições de doutrina militar como a Força Pública.
De fato, a atuação do policial nas ruas nunca está sob inteiro
comando dos superiores hierárquicos, ou devido à própria
natureza do trabalho de policiamento que é a de tomar decisões
rápidas e complexas em situações imprevisíveis, ou seja
por falta de interesse dos próprios superiores em um controle
mais efetivo, ou ainda, como conseqüência do protecionismo
existente entre policiais de mesma graduação em não divulgar
desvios de seus pares. Para os policiais, se um colega está
em perigo, não importa se está certo ou errado, merece
ajuda e apoio.
Na Força Pública, oficiais chegaram mesmo a ignorar atos
de indisciplina do baixo escalão como um modo de veladamente
demonstrar sua concordância com as reivindicações
salariais de seus soldados.
O espírito de corpo encobre as violações cometidas
dos superiores hierárquicos e do mundo externo, sociedade
e esfera política.
É comum, no entanto, qualquer instituição ter instrumentos
para garantir sua perpetuação no tempo. Entre os profissionais,
forma-se uma rede de solidariedade interna a ser mobilizada
em caso de dificuldades, de perda de direitos ou de possibilidade
de punição. Essas duas frentes de defesa, institucional e
a criada entre os trabalhadores, podem se unir em caso de
grave ameaça à existência da corporação.
Fonte: Blog do GCM Carlinhos Silva
Nenhum comentário:
Postar um comentário